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O Concílio Vaticano II - 50 anos depois

12-11-2012 18:40

Concílio Vaticano II - 50 anos depois

Outro Mundo, outra Igreja

Todas as cronologias do século XX registam como acontecimento da maior relevância e interesse a abertura do Concílio Vaticano II, a 10 de Outubro de 1962. Na altura, o Papa João XXIII pretendia renovar a Igreja e iniciar uma nova relação desta com o Mundo. Que mundo e que Igreja tínhamos então? E que imagem temos dessas duas realidades, 50 anos depois?

F. Senra Coelho - Arquidiocese de Évora

 

Mundo e Igreja no início de 60. Como aconteceu o Vaticano II

No mundo vivia-se um contexto de vários totalitarismos; de guerra fria entre as duas superpotências; radicalismos ideológicos, movimentos descolonizadores e estratégias neo-colonizadoras e de ameaças nucleares.

Foi então que o Papa João XXIII - 1958-1963 - dirigiu a Igreja e Homens de Boa vontade a Encíclica social Mater et Magistra - 14.07.1961, - na qual defendia que o Estado pode legitimamente exercer a sua função, mas sem aniquilar as iniciativas privadas; ou seja, o Papa condenava o totalitarismo, nomeadamente o colectivismo estatizante.

Entretanto, várias figuras da hierarquia da Igreja, sobretudo de Itália e rança, compreendiam e integravam, como sinais de valor profético, os esforços de renovação litúrgica; o movimento ecuménico; o desejo de maior participação na vida da Igreja; das alas mais preparadas do laicado; os grupos sacerdotais de compromisso com as novas realidades do mundo, nomeadamente os sacerdotes operários; os teólogos da Nouvelle Théologie.

Quanto ao diálogo da Cúria Romana com estas novas realidades, prevaleceu a linha conservadora: a suspensão dos Padres operários - 1954-1959 -  foi vista como sinal da indisponibilidade da hierarquia para o diálogo com o mundo e para as novas linguagens da evangelização. A reflexão de vários teólogos que contribuíram para o amadurecimento de teses que prepararam o Concílio Vaticano II, passaram a estar sob vigilância cautelosa do Santo Ofício: Daniélou, De Lubac, Chénu, Congar, Murray e outros.

A sociedade assumia-se, maioritariamente, sensível aos direitos da pessoa humana e não suportava qualquer tipo de racismo: Manifestação antissegregacionista nos EUA - 10.03.1960 -  e anti-apartheid na África do Sul - 23.03.1960 - Solidariedade, indignação perante as injustiças Norte-Sul e grandes perguntas sobre a providência de Deus surgirem com o tremor de terra em Agadir a 1 de março de 1960, com os seus 12000 mortos.

Simultaneamente viviam-se no mundo momentos contraditórios e empolgantes: Inauguração de Brasília - 21.04.1960 - , primeiro voo do cosmonauta americano, John Glen - 20.02.1962 - , depois de Yuri Gagarin, primeiro cosmonauta satelizado a volta da terra; os XVII jogos Olímpicos, em Roma, 1960; no final de 1962 a Régie Renault concedeu aos seus empregados, pela 1ª vez, a 4ª semana de férias pagas: era um avanço na competição entre as duas potências por maiores regalias no mundo do trabalho e por melhor qualidade de vida.

Com o seu olhar evangélico, João XXIII percebeu que os tempos estavam maduros. Para ele era evidente que, por muito que se multiplicassem os remendos e modernizassem aspectos parcelares da Igreja, o ambiente geral eclesiástico permaneceria cristalizado num passado já anacrónico e as respostas da Igreja apareceriam esgotadas e demasiado apologéticas aos olhos da sociedade.

Com o Concílio Vaticano II, a Igreja mudou o seu olhar em relação ao mundo e muitos dos que tinham estado sob suspeita tornaram-se referência e assumiram no Concílio e no pós-concílio atuações de primeira ordem.

Como haveria de dizer Paulo VI, a 23 de junho de 1966, o Concílio é o grande Catecismo da nova época.

50 anos depois, como nos encontramos?

Na Exortação Apostólica a Igreja na Europa(2003), João Paulo II falou de "um ofuscamento da esperança", referindo-se aos nossos dias "como um tempo de crise". E disse que "muitos homens e mulheres parecem desorientados, incertos, sem esperança; e não poucos cristãos partilham estes estados de alma"(nº 7). E referiu 3 aspectos amplamente citados na II Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa (1999): "Crise da memória e herança cristãs, acompanhada por uma espécie de agnosticismo prático e indiferentismo religioso, fazendo com que muitos europeus deem a impressão de viver sem substrato espiritual e como herdeiros que delapidaram o património que lhes foi entregue pela história" (nº 7).

Em seguida, João Paulo II enumerava uma série de consequências desta crise da memória, da perca de herança e do agnosticismo prático e indiferentismo religioso:

. Medo de enfrentar o futuro.

. Imagem vaga e incerta do amanhã.

. Do futuro sente-se mais medo que desejo.

. Vazio interior que oprime.

. Generalizada fragmentação da existência

. Predomínio da sensação de solidão.

. Multiplicação de divisões e contrastes interiores e sociais

. Perda do sentido da vida.

. Dramática diminuição da maternidade.

. A relutância ou até a recusa de tomar decisões definitivas na vida,

  inclusivamente o casamento.

. Queda das vocações ao Sacerdócio e a Vida Consagrada.

A Exortação Apostólica explica: "Entre outros sintomas deste estado de coisas, a situação Europeia actual regista o grave fenómeno das crises familiares e do esmorecimento do próprio conceito de família, a persistência ou reabertura de alguns comportamentos racistas, as próprias tensões inter-religiosas, o egocentrismo que fecha indivíduos e grupos em si mesmos, o crescimento de uma indiferença ética geral e de uma preocupação obsessiva pelos próprios interesses e privilégios. Na visão de tantos, a globalização em curso, em vez de apontar para uma unidade do género humano, arrisca-se a seguir uma lógica que marginaliza os mais débeis e aumenta o número dos pobres da terra." (nº 8).

Para João Paulo II, "na raiz da crise da Esperança está a tentativa de prevalecer uma antropologia sem Deus e sem Cristo" (nº9). Assim,, "esta forma de pensar levou a considerar o homem como o centro absolto da realidade, fazendo-o ocupar astuciosamente o lugar de Deus, e esquecendo que não é o homem que cria Deus, mas é Deus que cria o homem. O ter esquecido Deus levou a abandonar o homem, pelo que não admira que, neste contexto, se tenha aberto amplo espaço ao livre desenvolvimento do niilismo no campo filosófico, do relativismo no campo gnoseológico e moral, do pragmatismo e também do hedonismo cínico na configuração da vida quotidiana. A cultura europeia dá a impressão de uma apostasia silenciosa por parte do homem saciado, que vive como se Deus não existisse" (nº 9).