O Papa Francisco alerta para economia que «mata»
Francisco alerta para economia que «mata»
Papa insurge-se contra divinização do mercado e pede soluções para erradicar «causas estruturais da pobreza»
D.R. Cidade do Vaticano, 26 nov 2013 (Ecclesia) - A primeira exortação apostólica do Papa Francisco rejeita o que denomina de "economia da exclusão" e a confiança cega na "mão invisível do mercado", ao mesmo tempo que pede soluções para as "causas estruturais da pobreza". "Assim como o mandamento «não matar» põe um limite claro para assegurar o valor da vida humana, assim também hoje devemos dizer «não a uma economia da exclusão e da desigualdade social». Esta economia mata", destaca a 'Evangelii gaudium' (a alegria do Evangelho, em português), publicada hoje. O texto papal sustenta que o "crescimento equitativo" exige mais do que o crescimento económico, para uma "promoção integral dos pobres que supere o mero assistencialismo". "Enquanto os lucros de poucos crescem exponencialmente, os da maioria situam-se cada vez mais longe do bem-estar daquela minoria feliz. Tal desequilíbrio provém de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira", adverte. O Papa destaca que estas ideologias "negam o direito de controlo dos Estados" e instauram "uma nova tirania invisível, às vezes virtual, que impõe, de forma unilateral e implacável, as suas leis e as suas regras". "A dívida e os respetivos juros afastam os países das possibilidades viáveis da sua economia, e os cidadãos do seu real poder de compra", precisa. A primeira exortação apostólica do pontificado, iniciado em março de 2013, assinala que as questões da inclusão social dos pobres e da paz e do diálogo social "irão determinar o futuro da humanidade". "A necessidade de resolver as causas estruturais da pobreza não pode esperar", afirma Francisco, para quem a saída da atual crise económica global passa por identificar a desigualdade como "raiz dos males sociais", "renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira". "Longe de mim propor um populismo irresponsável, mas a economia já não pode recorrer a remédios que são um novo veneno, como quando se pretende aumentar a rentabilidade reduzindo o mercado de trabalho e criando assim novos excluídos", alerta. Nesse sentido, o Papa observa que qualquer mudança nas estruturas, sem gerar "novas convicções e atitudes", levará a que essas mesmas estruturas se tornem "corruptas, pesadas e ineficazes". Francisco retoma a reflexão sobre a solidariedade, que tem marcado várias das suas intervenções, para sublinhar que esta supõe a criação de uma "nova mentalidade que pense em termos de comunidade, de prioridade da vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns". A exortação apostólica fala numa "crise antropológica profunda" que está na base da atual crise financeira, visível "no fetichismo do dinheiro e na ditadura de uma economia sem rosto". De acordo com Francisco, os "excluídos não são «explorados», mas resíduos, «sobras»" da sociedade, vítimas daqueles que "detêm o poder económico" e dos "mecanismos sacralizados do sistema económico reinante". O texto regressa às críticas pela "globalização da indiferença", face ao sofrimento dos outros, e demarca-se dos que procuram culpar os pobres dos seus próprios males. O Papa reflete ainda sobre a importância do trabalho, do "salário justo" e da ética, "fora das categorias do mercado". "Uma reforma financeira que tivesse em conta a ética exigiria uma vigorosa mudança de atitudes por parte dos dirigentes políticos", exemplifica. |